domingo, abril 29, 2007

PEDRA, PAPEL E TESOURA de Daniel Keene

Fonte: Companhia de Teatro de Almada

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Encenação de Jorge Listopad
INTÉRPRETES
António Banha, Catarina Ascensão, José Wallenstein, Maria Arriaga
TRADUÇÃO Maria Arriaga
CENÁRIO António Casimiro
LUZ José C. Nascimento
FIGURINO Sofia Vilarinho

produção da COMPANHIA DE TEATRO DE ALMADA
Criação

O teatro experimental é como um laboratório de perspectivas, onde cada espectador encontra o inesperado.
Da peça pouco deve ser dito, por estar ainda por mais umas semanas em cena. Mas é de salientar dois pormenores curiosos.
Antes da peça começar na sala, pelos diversos espaços junto do público, a narradora andava com copos de whisky
e vinho. O significado é óbvio.
O cão, personagem também apareceu no grande átrio de entrada.
Eu fiquei a um passo dos actores
(linear) em diversas cenas quase que tive que me desviar...

As personagens expressam-se a partir de um discurso partido, e é possível perceber a anti-evolução da história, procura-se antes mostrar como tudo é demasiado igual.
Uma das frases ditas por Kevin:

"Por que é que já não pode acontecer mais nada?!"

Formiga

domingo, abril 22, 2007

A TRAGÉDIA DE JÚLIO CÉSAR de William Shakespeare



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Tradução
José Manuel Mendes, Luís Lima Barreto e Luis Miguel Cintra

Encenação Luis Miguel Cintra

Cenário e figurinos Cristina Reis

Desenho de luz Daniel Worm d’Assumpção

Música original Vasco Mendonça

Elenco André Silva, Dinarte Branco, Dinis Gomes, Edgar Morais, Filipe Costa, Hugo Tourita, Ivo Alexandre, Joaquim Horta, José Manuel Mendes, Luís Lima Barreto, Luis Miguel Cintra, Luís Lucas, Martim Pedroso, Pedro Lamas, Nuno Lopes, Nuno Gil, Pedro Lacerda, Ricardo Aibéo, Rita Durão, Tiago Matias, Teresa Sobral, Tónan Quito e Vítor de Andrade.

Músicos Gonçalo Marques trompete, Marco Santos percussão, Nuno Costa guitarra.

Co-produção com o São Luiz Teatro Municipal


Foi há quatro anos que assisti à peça Tito Andrónico, da Cornucópia, na sala principal do Teatro Nacional D. Maria II. Nessa data percebi que Luís Miguel Cintra era um bom actor, apreciei o seu desempenho nesta peça que em parte marcou o desenrolar dos acontecimentos da minha vida.
A tal ingenuidade acerca da grandeza do encenador e actor Luís Miguel Cintra não fazia espécie de contraste acerca da autopercepção de valor e predisposição para disputar novos desafios.

Se muitas coisas diferentes hoje são, muito se mantém numa aparência de estacidade enganadora. Essa condição de dinâmica latente pode gerar uma leve descrença.
O nome deste blog: Formiguinha da Terra é uma homenagem a todos que persistem contrariar suas naturezas que por vezes pareciam ser impostas por outros, os cépticos.
Nessa época uma pessoa soube acreditar... uma professora em fim de carreira foi além de sua competência, soube dar amor. A dedicação, o mostrar que tudo seria possível, se déssemos tempo ao tempo, por ventura, o único e legitimo pedido: tempo.
A resignação deu lugar a um ambicioso projecto de vida que nestes dias vai dando os seus frutos.
Esta digna senhora recebeu pouco mais do que entusiasmo e correspondência aos seus bons conselhos.
Talvez uma vontade sua de auto-realização ou uma ideologia. Porquê nós? Nem todos podem ser os escolhidos. Eu fui.
A vontade própria aliada a alguém que insiste na revelação do nosso valor, mesmo que quase todos digam: "Não vai conseguir! O melhor é desistir!"
É por essa razão que essas pessoas, visionárias, embutidas de fé e esperança, sem fazerem perguntas, sem muito saber acerca de nossas vivências passadas geram autênticos milagres. É caso para afirmar que estas coisas simples têm um tremendo valor.

Andrónico foi tomado como louco numa loucura consentida, mas fingida.
Essa parte do texto é ainda recordada de forma entusiástica. No entanto parecia passados alguns meses vir sinais de arrependimento e pensar que assistir a esta peça tinha sido um erro.
Havia qualquer coisa a incomodar, uma querença crescente.
No palco da vida aprendiam-se coisas novas, por exemplo: a tolerância só existe quando não se incomodam os outros. Mais tarde o Dr. Laborinho Lúcio no Congresso da Prosalis desmistifica o conceito e sem tabus reforçou esta ideia.
As mudanças geram respostas abrasivas. Mas quando o sistema está viciado apenas conta sobreviver. Se Tito acabou a história vivo, já não tenho comigo essa lembrança, mas tenho a convicção que tudo fez para manter sua dignidade, mesmo pagando o preço mais elevado de todos: a sua reputação. O discurso contraditório servia para o tornar menos credível e como consequência foi alvo de chacota. Por fim salvou sua honra.

Da peça de 22 de Abril, último dia de representação poder-se-á dizer que durou três horas e meia com um intervalo de dez minutos.
Gosto da temática, ainda estou a digerir o texto e todo o simbolismo posto na encenação.
Uma primeira ideia gera esta premissa de que uma atitude de complacência e uma boa conduta ética são recusadas por uma sociedade manipulada pela dialéctica de Marco António.
As intenções verdadeiras de cada um não estão inscritas em lado nenhum, e acabam por ser as circunstâncias a ditarem leis.
No entanto, no meio de uma guerra sangrenta, o imprevisível: o reconhecimento da honestidade de Bruto, após sua morte.


A encenação é inteligente, todas as portas, todo o espaço envolvente é usado pelas personagens. Quando as personagens entram em cena vão encontrar os mantos dobrados em cima das cadeiras da primeira fila.
Os actores estiveram por momentos nas costas do público, nas laterais, com e sem falas. Tudo para dar o ambiente da Roma antiga.


O Teatro Municipal de S. Luiz é uma sala bonita, em talha dourada. O tecto tem uma pintura de anjos e por cima do palco a cabeça dourada de um leão.
A sala está repleta de cadeiras vermelhas, tem camarotes em vários níveis e talvez também galerias.
O átrio de entrada é alegre, os funcionários usam uma farda à antiga.
As pessoas do público tinham o aspecto, das pessoas que ao teatro costumam ir: A tal cultura do teatro, parece tentar à encenação do próprio corpo.

Com uma peça tão longa carecia antes uma boa refeição tomar. O lugar escolhido, repare-se que é mais do que um simples espaço, o Café S. Luiz é mesmo o lugar onde se juntam pessoas interessantes.
E a ementa é no mínimo criativa. A minha escolha recaiu numa bebida Indiana de Especiarias (leite quente com cardamomo, gengibre, canela e cravinho) e um Muffin de queijo e tomilho (doce de pêssego, figos e nozes). O serviço eficiente e de uma simpatia aprazível.


As passagens preferidas do Formiga:

"Tu dormes Bruto, acorda";


"Ai Cássio estou doente de muitas penas";

"Matar é palavra de ordem. Está na moda" (Bruto)

"Espanta-me que este homem de fraca figura possa estar à frente de uma mundo tão majestoso!"


DEDICO ESTE TÓPICO AO AMIGO ANDRÉ, QUE CONSTRUI UM BLOG ACERCA DO USO DO PODER: www.usodopoder.blogspot.com

Formiguinha



quarta-feira, abril 18, 2007

Dúvida


Teatro Maria de Matos

Dúvida

Sala Principal
Em cena de 27-03-2007 a 06-05-2007

de John Patrick Shanley

encenação Ana Luísa Guimarães

4ª a sáb. às 21H30 | domingo 17H





1964. Uma igreja e escola católicas. Bronx, Nova York.
Um Padre é suspeito de assediar sexualmente uma criança de 12 anos.
A Madre Superiora acusa-o. O Padre reclama a sua inocência.
Será ele culpado ou inocente?

Fonte: Teatro Maria de Matos

Interpretação Eunice Muñoz, Diogo Infante, Isabel Abreu e Lucília Raimundo

M/16


Solidão não pedida, por vezes quase rejeitada por motivo da dúvida. O lado mais perturbador da consciência é a face mais genuína do silêncio, a loucura íntima que se deve à incapacidade de não nos termos como culpados, a pensar amiúde, sem descanso nas linhas que separam a solidão do abandono se confrontados os não factos com a realidade.
Então é possível pensar na solidão apenas por nos sentirmos sós, mas no abandono estamos sós efectivamente. É a consequência de não acreditarmos nos gestos significantes. No entanto o pior preço a ser pago pelo desmazelo da honra alheia em última instância é a insanidade. A Madre Superior de Shanley com uma propensão natural para o conflito, a descrença nas atitudes de todas as pessoas da sua comunidade acaba por fazer soar a velha máxima: "Se não compreendes, vês incerteza ou invejas o próximo, então mais cedo ou mais tarde tudo se reverterá a ti, próprio". A velha Madre acabou a duvidar de si mesmo.
Quem não se soube de escusar do baú das desconfianças espalhou sofrimento por toda a parte, a começar nas crianças como primeiras vítimas.
Acerca do Padre e a irmã professora poder-se-á afirmar que foram percursores de uma nova dinâmica de vivência plena cristã, as mudanças fazem-se dessas tensões e distensões. As subtilezas do quotidiano inseridas num contexto de Fé que por sua vez é nosso guia, porque somos seres do mundo unos. Estas ideias estão explicitas nos textos do Concilio II do Vaticano.
Ainda somos todos pequeninos perante a riqueza de textos do Concilio II, a diferença entre apenas se cumprirem rituais ou constituirmos um corpo. Belissima interpretação de Eunice Muñoz e Diogo Infante.
Formiguinha

segunda-feira, abril 02, 2007

Semana Santa - 2007

Fotografia cedida por: Cristina


A montanha e a Bíblia


Às pessoas dos países evoluídos a montanha evoca bons ares e paisagens de sonho. Quando conseguem tempo livre de preocupações e de trabalho, refugiam-se no remanso duma montanha, que as retira da agitação das grandes metrópoles. Os antigos, essencialmente religiosos, com a fé viam na montanha muito mais: viam o lugar por excelência de manifestação da divindade e do encontro com o divino. Várias montanhas, onde a fé colocava a aparição de determinada divindade a figuras humanas fundadoras, eram elevadas ao estatuto de sagradas. Por isso, algumas montanhas sempre foram - até aos dias de hoje - lugar de peregrinação religiosa.
Assim era também nas civilizações pré-clássicas. Não admira que o povo bíblico - uma delas - partilhasse esta religiosidade. A sua fé viu na montanha um símbolo especial da presença do seu Deus. Já do patriarca Abraão se diz ter sentido o apelo de Deus no monte Moriá (Gn 22,1-19). É no alto do monte que o relato da aparição do seu Deus e a exigência do (suspenso) sacrifício do próprio filho deixa a mensagem de que o verdadeiro Deus não quer a imolação de seres humanos em sua honra.

A experiência do Êxodo dos hebreus do Egipto descreve uma teofania a Moisés "na montanha de Deus, o Horeb" (Ex 3,1), que o consagrou para a missão libertadora. A montanha da 'sarça ardente' torna-se o lugar de união da transcendência com a imanência, do divino com o humano (Ex 3,5). A mais célebre é a montanha do Sinai (outro nome para "a montanha de Deus"), onde a fé colocou nova teofania (Ex 19-34). O narrador não se preocupou por localizá-la com precisão geográfica. O importante era indicar um lugar sagrado ao encontro do povo com o seu Deus, um símbolo privilegiado da manifestação da glória divina, isto é, do ser de Deus enquanto projectado para o exterior. Foi a este monte especial que a fé do povo associou a doação da lei de Deus, fazendo-o aparecer como o monte da lei e da aliança, o monte que liga a terra ao céu.

Outro monte que exerceu influência no povo bíblico foi o de Sião, um lugar favorito a Israel. Corresponde a parte da cidade de Jerusalém e foi enriquecendo ao longo dos séculos a sua significação política e religiosa: moveu e comoveu o espírito humano ao menos durante um milénio. Foi para lá que David transladou a arca de Deus (2Sam 6-7), símbolo da presença do Deus da aliança no meio do seu povo. Assim, Sião tinha o mesmo simbolismo que o Sinai no Êxodo. Aí viria a ser construído o majestoso templo de Jerusalém, por decisão de David e execução de Salomão. Foi também por abrigar o templo que os profetas enalteceram o monte Sião, símbolo da congregação do povo disperso em vários exílios.

O universalismo de alguns profetas viu mesmo no monte Sião o pólo agregador de todos os povos: "No fim dos tempos o monte da casa do Senhor estará firme, assente por cima dos montes, elevado acima das montanhas. Para ele confluirão todas as nações, acudirão povos numerosos e dirão: vinde, subamos ao monte do Senhor, à casa do Deus de Jacob; Ele nos ensinará os seus caminhos e nós seguiremos as suas veredas, pois de Sião sairá a lei e de Jerusalém a palavra do Senhor" (Is 2,2-3; Miq 4,1-3). A esta ideia ecuménica andava unida a realidade da peregrinação popular, uma ou mais vezes por ano, ao monte do templo de Jerusalém, que produziu e usou os "Salmos de peregrinação" (120-134).

O Novo Testamento conserva este simbolismo da montanha e refere muitas como lugar privilegiado do encontro com Deus.

O monte das bem-aventuranças (Mt 5,1) aparece como o novo Sinai, onde Jesus, qual novo Moisés, promulga a nova lei programática para o novo povo da nova aliança.

O "monte alto" da transfiguração (Mt 17,1-9; Mc 9,2-10; Lc 9,28-36) tem significação muito especial. O facto de os evangelistas não indicarem o nome dele (a associação ao Tabor é uma tradição cristã do séc. IV) quer essencialmente relacioná-lo com o monte Sinai, o monte bíblico da revelação de Deus. O relato de Mateus não deixa dúvidas sobre essa ligação, para que o Jesus que sobe ao novo monte Sinai com três discípulos principais apareça como o novo Moisés que subiu ao monte Sinai com três notáveis de Israel (Ex 24,1-11) e como o supremo revelador de Deus: "este é o meu Filho amado em quem pus a minha complacência; escutai-o" (Mt 17,5). Como Moisés entrou dentro da nuvem que cobria o monte Sinai e tinha o rosto luminoso (Ex 24,15-18; 34,29-35), assim acontece com Jesus (Mt 17,2.5), assistido das duas figuras do Antigo Testamento que receberam revelações no monte Sinai e personificam a Lei e os Profetas, isto é, todo o AT, ao qual Jesus veio dar pleno cumprimento. Como o povo de Israel viu a glória do Senhor no cimo do monte Sinai (Ex 24,16-17), também os discípulos viram a glória de Jesus (Lc 9,32), ou seja, que ele é como Deus, Filho de Deus: o novo Moisés transfigurado tem atributos divinos. A sugestão de Pedro para "fazer aqui três tendas, uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias" (Mt 17,4; Lc 9,33) faz alusão à festa da colheita, chamada no judaísmo 'festa das três tendas' ou dos Tabernáculos (Dt 16,13; Lv 23,34), porque se utilizavam tendas para evocar as tendas de Israel no deserto durante o Êxodo. Lucas acrescenta que Pedro "não sabia o que dizia", significando que, se no Êxodo o símbolo da presença de Deus no meio do seu povo era a tenda, agora Jesus é que é Deus connosco. Os discípulos ainda têm medo, como o povo de Israel diante do monte Sinai (Ex 19,16; 20,18-21). Mas, como fez Moisés, também Jesus os tranquiliza (Mt 17,6-7): o medo é próprio de servos, não de filhos. É deste monte que arranca a peregrinação definitiva de Jesus para "Jerusalém, onde se ia realizar o seu êxodo" (Lc 9,31), que na teologia de Lucas é o ponto culminante da história da redenção.

O monte das oliveiras serve de enquadramento à paixão de Jesus, mas também à sua ascensão ao céu (Act 1,9-12; Lc 24,50-53), portanto, lugar da revelação do amor e da glória de Deus em Jesus.

Jesus dessacralizou a montanha como lugar privilegiado do encontro com Deus. Quando a samaritana lhe diz "os nossos pais adoraram neste monte [o monte Garizim, no qual os samaritanos construíram um templo, em concorrência com o de Jerusalém] e vós dizeis que Jerusalém é onde se deve adorar, Jesus respondeu-lhe: acredita-me, mulher, chegou a hora em que nem neste monte, nem em Jerusalém, adorareis o Pai...; os verdadeiros adoradores adorarão o Pai com espírito e verdade, pois o Pai quer pessoas que o adorem assim" (Jo 4,20-24). O 'lugar' privilegiado do encontro com Deus é agora Jesus Cristo, Palavra definitiva de Deus. Depois de ter incarnado num ser humano, é especialmente nos humanos, no "próximo", que amamos Deus.
Todavia, esta dessacralização da montanha não lhe retira o seu simbolismo. Ela surge na vida do cristão como uma imagem que atrai a vida humana para as alturas, dando-lhe elevação e sentido superior. A montanha, alta e majestosa, aponta à fé a vocação essencial do ser humano a ascender pela senda íngreme e estreita da verdade e do bem. Quem faz o exercício sagrado da peregrinação ao monte proclama íntima e socialmente a sua condição de caminhante sobre a terra, na dureza e nas alegrias da vida; proclama que se sente atraído por "um novo céu e uma nova terra"; declara-se insatisfeito com o já realizado e desejoso de subir mais na vida do espírito. A imagem do monte está impregnada de uma simbologia particular no cristianismo, pelo facto de a vida de Jesus emergir qual caminhada que culmina no monte Calvário do perdão do mal moral e da salvação universal. O cristão que sobe ao monte deseja voltar de lá mais identificado com o mistério que esse lugar sagrado simboliza, onde a cruz, que lá nunca falta, está a apontar para a vida sem fim.

Fonte: Armindo dos Santos Vaz
Faculdade de Teologia, Universidade Católica Portuguesa