"A questão agora é como podemos ser humanos perante a ascensão incontrolável da tecnologia."
Jean Baudrillard (Reims, França 1929 é sociólogo e filósofo francês)
Baudrillard
"O Anjo de Estuque" é o seu mais recente livro , publicado em parte na edição número quatro da revista Confraria do Vento.
IV
A água é tão clara
que aceita o jorro
dos bichos.
Tudo é exacto
ou avivado
em cena
não longe da compreensão humana
ou sob a foice
sob a cinza
sob as águas-mães.
Os músculos estriados
enervam o chão
revirado. Até a água
tem a enervação
do teor do mal.
E nada é separado.
Tudo é exalto como
o sangue sob as unhas.
Assim se alternam
as coisas imaginadas
que circundam seu
próprio vazio, onde reluz
imersa como
cadeira a espada
gestual do Sol.
VI
O avesso do céu
gravado em cobre
e desensolarada a própria água
entre o fim da feira
e o mercado de flores
quando ultrapassamos a imagem
uns dos outros
olhos abertos – mas
sem quebrar a simetria
no entanto
o brilho dos olhos vem
do jogo das ideias contrárias e
da incerteza da vontade, e
se desde cedo nossos sonhos
nos forem explicados – para que
andar a noite inteira?
Até as mais frágeis meninges
das árvores, dos degraus,
de perto ou de longe
é a fidelidade de um só
ou no fingidor, o inverno,
a vergonha feita da
maciez de um corpo
estranho.
Escorcioneiras genitais
e perfumadas
do desejo
a ave sinclinal chama
com seu guincho de harpia
anticlinal da floresta.
VIII
Em cena ou
sob paredes violentamente
iluminadas
mas contidas
e preservadas,
sem nunca tocar o chão
peripécia animal – leveza
peripécia mental – a dança
e as batalhas
nem vitória nem derrota,
a guerra é isso,
e as espirais dos ladrilhos
são essas
de todo jeito – mas
fogem por baixo delas como
um sonho alternativo
cursivo ou discursivo
as linhas de fuga
as superfícies planas
a carne crua, se balança
entre lanternas gémeas.
E a luz é tão fria
que distingue vinho
e água
num só copo.
São as andorinhas que
voltam de onde vêm.
E o fogo se apaga lentamente
como um fogo que
se apagasse lentamente.
X
Um relógio sem ponteiros
impõe o tempo
mas deixa adivinhar a hora.
A escuridão é simples ou
a contraditória
das cortinas verdes.
A água é macia ao toque
qual morte natural.
Exterior morno é
o alburno dos freixos e
o papo dos galos
friável sob os dedos
e translúcido
sob as pálpebras da máscara
como os élitros das borboletas
mortas – mais morno que
as estratificações interna das íris
o humor vítreo
dos olhos –
quente e assexuada
a noite
qual olho sem cílio
qual janela sem hera
nua e assexuada
a superfície do solo
livre da quadratura das paredes.
XII
Amarga
nas mãos enluvadas
a luz artificial
o Norte
mas um grito único, a infância
parece garganta nua
o Oriente
a sede e
a satisfação da sede
o calor inteiro
a aberração das forças
o meio-dia do verão –
mesmo vazia a cena conserva
uma saída possível –
no entanto interna é
a falível
sem pensar, e o vento
doce, rente às paredes,
a si mesmo – elasticidade
como por um vidro escuro
desafinado
ou trôpego
o Ocidente
brinquem gritem
nossas unhas são tão grandes
que os quatro cantos do céu
grudam nelas como terra
cavada – e
nem chão nem céu, mas quis
o sol de fora
não só os gestos são
calculados, as próprias mãos
têm ciúmes uma da outra.
tradução de Cristina Abruzzini Werneck Lacerda
e Adalgisa Campos da Silva
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