sábado, fevereiro 17, 2007

Jean Baudrillard

"A questão agora é como podemos ser humanos perante a ascensão incontrolável da tecnologia."

Jean Baudrillard (Reims, França 1929 é sociólogo e filósofo francês)



Baudrillard além do seu trabalho teórico tem uma intensa actividade artistica como poeta e fotógrafo com vários trabalhos exposto em França e por todo o mundo.
"O Anjo de Estuque" é o seu mais recente livro , publicado em parte na edição número quatro da revista Confraria do Vento.

O Anjo de Estuque


IV


A água é tão clara
que aceita o jorro
dos bichos.
Tudo é exacto
ou avivado
em cena
não longe da compreensão humana
ou sob a foice
sob a cinza
sob as águas-mães.
Os músculos estriados
enervam o chão
revirado. Até a água
tem a enervação
do teor do mal.
E nada é separado.
Tudo é exalto como
o sangue sob as unhas.
Assim se alternam
as coisas imaginadas
que circundam seu
próprio vazio, onde reluz
imersa como
cadeira a espada
gestual do Sol.


VI


O avesso do céu
gravado em cobre
e desensolarada a própria água
entre o fim da feira
e o mercado de flores
quando ultrapassamos a imagem
uns dos outros
olhos abertos – mas
sem quebrar a simetria
no entanto
o brilho dos olhos vem
do jogo das ideias contrárias e
da incerteza da vontade, e
se desde cedo nossos sonhos
nos forem explicados – para que
andar a noite inteira?
Até as mais frágeis meninges
das árvores, dos degraus,
de perto ou de longe
é a fidelidade de um só
ou no fingidor, o inverno,
a vergonha feita da
maciez de um corpo
estranho.
Escorcioneiras genitais
e perfumadas
do desejo
a ave sinclinal chama
com seu guincho de harpia
anticlinal da floresta.


VIII


Em cena ou
sob paredes violentamente
iluminadas
mas contidas
e preservadas,
sem nunca tocar o chão
peripécia animal – leveza
peripécia mental – a dança
e as batalhas
nem vitória nem derrota,
a guerra é isso,
e as espirais dos ladrilhos
são essas
de todo jeito – mas
fogem por baixo delas como
um sonho alternativo
cursivo ou discursivo
as linhas de fuga
as superfícies planas
a carne crua, se balança
entre lanternas gémeas.
E a luz é tão fria
que distingue vinho
e água
num só copo.
São as andorinhas que
voltam de onde vêm.
E o fogo se apaga lentamente
como um fogo que
se apagasse lentamente.


X


Um relógio sem ponteiros

impõe o tempo

mas deixa adivinhar a hora.

A escuridão é simples ou

a contraditória

das cortinas verdes.

A água é macia ao toque

qual morte natural.

Exterior morno é

o alburno dos freixos e

o papo dos galos

friável sob os dedos

e translúcido

sob as pálpebras da máscara

como os élitros das borboletas

mortas – mais morno que

as estratificações interna das íris

o humor vítreo

dos olhos –

quente e assexuada

a noite

qual olho sem cílio

qual janela sem hera

nua e assexuada

a superfície do solo

livre da quadratura das paredes.


XII


Amarga
nas mãos enluvadas
a luz artificial
o Norte
mas um grito único, a infância
parece garganta nua
o Oriente
a sede e
a satisfação da sede
o calor inteiro
a aberração das forças
o meio-dia do verão –
mesmo vazia a cena conserva
uma saída possível –
no entanto interna é
a falível
sem pensar, e o vento
doce, rente às paredes,
a si mesmo – elasticidade
como por um vidro escuro
desafinado
ou trôpego
o Ocidente
brinquem gritem
nossas unhas são tão grandes
que os quatro cantos do céu
grudam nelas como terra
cavada – e
nem chão nem céu, mas quis
o sol de fora
não só os gestos são
calculados, as próprias mãos
têm ciúmes uma da outra.


tradução de Cristina Abruzzini Werneck Lacerda

e Adalgisa Campos da Silva






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