domingo, setembro 23, 2007

Lacan e Hamlet



Jacques Lacan, em 1958/59, no Seminário chamado “O desejo e sua interpretação” dedicou sete encontros a Hamlet.
Lacan
mostra como funciona a relação do sujeito com o seu desejo: desejo como posição de desejo do outro. O grande problema de Hamlet.

Para compreender o universo shakespeariano à luz do pensamento de Lacan existe um livro da Editora Assírio@Alvim: Shakespeare, Duras, Wedekind, Joyce

Da Escola Lacaniana Brasileira e sobre Hamlet este texto revela carácter de excelência:
TEXTO

Opinião de formiga acerca de Hamlet em cena no Teatro Municipal Maria de Matos:

Se nos abstrairmos das palavras, da peça e vermos só a cena em si onde Hamlet conversa com sua mãe é possivel perceber que nesta encenação não é sentida a tal proximidade excessiva, incomoditiva, onde existe o tal vinculo erótico.
Na sala Almeida Garret, no D. Maria II, Hamlet, não só repelia de forma convicta a sexualidade da mãe como manipulava o seu corpo, num diálogo mais intimo e menos repleto de convicção.
Parecia um Hamlet mais frágil, mais tonto, menos maquiavélico.
O simulacro na relação com a Ofélia constitui realidade.
O subjectivismo da pessoa pode conter todo o amor, mas se a discrepância entre o discurso proferido e as respostas observáveis, for elevada poder-se-á concluir que: NÃO. Ofélia nunca foi amada pelo Príncipe da Dinamarca. No fim da história é o arrastamento moral da perda que leva à falsa retroacção de um amor.
Qual é o sentido do combate com Laertes? O contexto de amor proferido não serviria para evitar tal combate?

O discurso abrasivo e de ruptura (feito a Ofélia) é um simulacro de desamor? Ou é realidade perene e consistente?

O simulacro nunca é o que oculta a verdade
-
é a verdade que oculta que não existe,
O simulacro é verdadeiro.

O Eclesiastes

... e depois a ausência do pai e do amado, e talvez a predição de uma conjectura ainda mais céptica, falha,leva Ofélia ao suicídio. No filme "Per Siempre" do cinema italiano, o único acontecimento: é ausência pelo silêncio. A personagem morre mas de doença, uma doença quase consentida, enfim deixa-me morrer. A culpa trespassa-se através da expressão de um amor à posteriori.
Na peça de
William Shakespeare é o ambiente de conflito de denominação de homem sobre a mulher que determina tamanha vulnerabilidade de Ofélia, incapaz de resistir ao choque e adaptar-se a novas realidades.
O lugar 4 da fila A tem os seus privilégios, tais como ficar em zona frontal no momento que antecede o encontro furtivo com Hamlet, onde Ofélia rezava. Também uma bela oportunidade de perceber a capacidade de actriz Ana Lúcia Palminha no trabalho da expressão de rosto. Parecia o acaso, tamanha a naturalidade.
Ainda a referir o sempre usado jogo de espelhos, 7. E a questão em off "Quem está aí?" Somos nós. Sobre a peça encenada por João Mota existe um bom artigo na Revista Visão.

Sumário para consulta (online):

Jacques Lacan - Biografia e Bibliografia

Lacan - Cronologia

Shakespeare, Duras, Wedekind, Joyce - livro acerca do o universo shakespeariano.

TEXTO - Maria Thereza Ávila Dantas Coelho - Escola Lacaniana brasileira

Teatro Municipal Maria de Matos - sinopse

"Per Siempre" - filme italiano

Revista Visão - documentação especifica sobre a peça na consulta desta revista.


Referências bibliográficas:

O texto da Bíblia, de Eclesiastes: foi retirado da página 7 do livro "Simulacração e Simulação" de Jean Braudrillard.

1981 Simulacração e Simulação. Relógio d' Água, Colecção Margens, 1º ed.

quinta-feira, setembro 13, 2007

De Trakl a "Moonstruck"


Não há um Trakl enganador em toda a agonia do seu processo criativo a transparecer na sua obra.
O mito do escritor fingidor parece neste “Outono Transfigurado” não ter razão de ser. Existe sim uma inter-ligação perfeita e intrínseca entre o vivido, o sofrido e a produção literária.
Os belos tons onirícos são construídos a partir do percurso de descrença na Cristianismo, neste poema retirado poder-se-á entender uma descrição da Paixão e uma alusão à consagração. Deus é criado pelo sentido da culpa e medo do homem, que apenas caminha para o fim, num mundo desencantado.
Trakl não deixa de ser revelador de congruência. Classificado de negativista, consegue uma mordaz critica ainda tão válida nos dias de hoje.
Os rituais cristãos partem de um compromisso que nos leva a agir de acordo com crenças que podem advir de diversas motivações.
Eis uma fronteira que serve de ponto de reflexão ao ser focado a diferença entre normas ao serviço de si próprias ou toda a doutrina a ser aplicada na vida de todos dias.
Outra questão é saber se a defesa de uma certa ideologia pode ser uma maquilhagem com o propósito de esconder frustrações e recalcamentos, o tal mecanismo de defesa, já abordando o processo de socialização.
E o modo como se pode hostilizar alguém, num (des)afecto descontrolado, neste ponto estamos bem longe já da simples ideologia.
A formação reactiva de uma atitude pode ter coisas tão simples como afirmar: Odeio viajar (uma simples maneira de defender o Ego quando afinal não se tem capacidade económica para tal), não assumimos o que apreendemos da realidade.
Podemos ser militantes passivos ou agressivos. Há duas ou três passagens do filme o
“Amor Acontece” (“Love Actually”) que desmontam estas ideias de forma simples. Quem viu este filme, basta recordar o tal amigo do noivo que tinha um relacionamento conflituoso com a noiva.
No entanto em “Moonstruck” pergunta-se: “Onde está a vida?”
Aqui pode-se entrever o fiel fingidor, aquele que ama a mulher bela, mas defende o tal desamor, numa revolta de pacotilha… a história evolui com aquele virar de mesa. E duas vivências distintas empolgam-se num enamoramento arrebatado com direito a ópera e tudo!!Formiga

terça-feira, setembro 11, 2007

Georg Trakl


Revelação e Decadência


Estranhos são os caminhos nocturnos do homem. Quando eu, sonâmbulo, passa por quartos de pedra e em cada um ardia tranquila uma candeia, um candeeiro de cobre, e quando, cheio de frio, caí na cama, lá estava o rosto à cabeceira a sombra negra da forasteira, e em silêncio escondi o rosto nas mãos nas mãos lentas. À janela, o jacinto azul tinha também desabrochado, e aflorava aos lábios púrpura a velha oração no respirar do homem, caíam das pálpebras lágrimas de cristal, vertidas por este mundo amargo. Nessa hora eu era na morte do meu pai, o filho branco. Com as chuvadas azuis vinha da colina o vento nocturno, o sombrio lamento da mãe, de novo a morrer e eu vi o inferno negro no meu coração; minuto de silêncio reverberante. Silencioso, saiu de um muro caiado um rosto indizível – um jovem moribundo -, a beleza de uma estirpe que regressa a casa. Branca de lua, a frescura da pedra envolveu a fronte vigilante, foram morrendo os passos das sombras nos degraus em ruínas, no pequeno jardim uma dança de toda rosada.

Estava sentado em silêncio na taberna abandonada, debaixo das traves de madeira negras de fumo, solitário com o vinho; um cadáver resplandecente curvado sobre um corpo escuro, e as meus pés um cordeiro morto. A pálida figura da irmã saiu do azul em decomposição, e então falou a sua boca em sangue: picada de espinho negro. Ah, vibra-me ainda nos braços argênteos a violência das trovoadas. Corre, sangue, dos pés lunares florescendo nos atalhos da noite por onde passa a ratazana a chiar. Cintilai, estrelas, nas abóbadas das minhas sobrancelhas; e de mansinho ecoa o coração na noite.
Uma senhora vermelha com espada flamejante entrou na casa, fugiu com a fronte de neve. Oh, amarga morte.
E em mim ergue-se uma voz grave: Quebrei o pescoço ao meu cavalo na floresta nocturna, quando a loucura lhe saltou dos olhos púrpura, cariam sobre mim as sombras dos ulmeiros, o charco azul da fonte e a frescura negra da noite, caçador selvagem, perseguia um veado de neve, no inferno de pedra morreu o meu rosto.

E uma gota brilhante de sangue caiu do solitário; e quando dele bebi era mais amargo que a papoila; uma nuvem enegrecida envolvia-me a cabeça, as lágrimas de cristal dos anjos caídos; e de mansinho escorria o sangue da ferida argêntea da irmã, e uma chuva de fogo caiu sobre mim.(...)

Georg Trakl

1992 Outuno Transfigurado. Assírio&Alvim, Documenta poética, 103 e 105 pp Edição 325


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