quinta-feira, junho 15, 2006

A vida é uma viagem

“Que fazia ele no decurso desta jornada? Em que pensava? Via passar, como pela manhã, as árvores, os tectos de colmo, os campos cultivados, e o desaparecer rápido da paisagem, que se desloca em cada cotovelo do caminho. É uma contemplação que satisfaz a alma, e quase a dispensa de pensar. Ver mil objectos pela primeira e última vez. Há aí coisa mais profundamente melancólica? Viajar é nascer e morrer a todo instante. Talvez ele, na região mais vaga do seu espírito, fizesse paralelos entre horizontes cambiantes e a existência humana. Todas as coisas desta vida fogem de contínuo diante de nós. Após um deslumbramento de luz, um eclipse, as trevas; olha-se, corre-se a toda a pressa, estendem-se as mãos para agarrar o que passa; e o que passa vai, e as mãos ficam vazias; cada acontecimento é um dobrar de ângulo de estrada, e de repente somos velhos. Sente-se como que um abalo, afigura-se tudo negro, distingue-se uma porta escura, e esse sombrio cavalo da vida, que nos arrastava, pára de súbito. E vê-se um ente desconhecido, coberto com um véu, a desatrelá-lo nas trevas.”

Victor Hugo, in Os Miseráveis