domingo, setembro 24, 2006

Começar a Acabar

Samuel Beckett nasceu no seio de uma familia buguesa próspera mas ao contrário das expectativas dos progenitores , não conseguiu dedicar-se aos negócios. Inclinando-se desde sempre para as letras, conheceu James Joyce e tornou-se seu secretário, tendo sido fortemente influenciado por este escritor modernista. Foi professor e ensaista, mas rapidamente passou a dedicar-se apenas à Literatura. Durante a a II Guerra Mundial, envolveu-se directamente na Resistência Francesa. "À Espera de Godot", escrita em 1952, operou uma verdadeira revelação no teatro da época, sendo ainda hoje uma das peças mais representadas no mundo inteiro.

No D. Maria II, João Lagarto encena e interpreta Começar a Acabar (1970), de Samuel Beckett (1906-1989), uma selecção de fragmentos de três dos seus mais famosos romances (Molloy, Malone está a morrer e O Inominável).
Tendo como elemento unificador a figura de um homem andrajoso que, certo do seu fim, conta as suas histórias de vida, funciona como best of introspectivo , surgido um ano depois de Beckett ter recebido o Nobel.
A cena negra, sem adereços à excepção de três lâmpadas suspensas, recebe sobriamente o actor. Este, rigoroso e amador de cada gesto, oferece-nos uma deleitante hora e meia de dramas, tensões e episódios, num equilíbrio apurado entre os vários registos. Firme na relação directa com o público, quase quotidiano no tom por vez confesional, João Lagarto não se enreda em histrocismos trágicos ou fársicos, pelo contrário torna a personagem próxima e real e por isso assombrosa. Aliando um sedutor jogo de nuances de intenções ao poder quetionador e risível do texto. Lagarto cria uma excelente representação de um clássico do século XX que prima pela vontade de comunicar.

Fonte: Ana Pais, do Jornal SOL


"Estreado originalmente a 23 de Abril de 1970, no Théâtre Édouard VII, em Paris, onde se manteve em cena durante três anos (até à morte de MacGowran, pneumonia, aos 55 anos), "Começar a Acabar nunca mais foi levada à cena: Pelo menos essa é a convicção de João Lagarto, que agora decidiu "ressuscitar" a peça e interpretá-la (...)"

Fonte: Jornal do Teatro D. Maria II


Parte final do texto da peça retirado do livro: " O Inominável"

"(...) talvez seja um sonho, muito me admiraria, vou acordar, no silêncio, nunca mais vou adormecer, serei eu, ou continuar a sonhar, sonhar com o silêncio, um silêncio de sonho, cheio de murmúrios, não sei, são palavras, nunca mais vou acordar, são palavras, é o que há, tem de se continuar, é tudo o que sei, eles vão parar, sei bem o que isso é, sinto-os largarem-me, haverá silêncio, por uns instantes, alguns instantes, ou será o meu, aquele que dura, que que não durou, que continua a durar, serei eu, tem de se continuar, portanto vou continuar, tem de se dizer palavras, enquanto as houver, é preciso dizê-las, até eles me encontrarem, até eles me dizerem, estranho castigo, estranho crime, que é preciso continuar, talvez já tenha acontecido, talvez eles já me tenham dito, talvez me tenham transportado ao limiar da história , à porta que dá para a história, à porta que dá para a minha história, à porta que me dá para a minha história, muito me admiraria, se ela se abrisse, vou ser eu, vai haver silêncio, aqui onde estou, não sei, nunca saberei, no silêncio não se sabe, tenho de continuar, não posso continuar, vou continuar."

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